sexta-feira, 30 de outubro de 2015

ETIOLOGIA DA CÁRIE DENTÁRIA: FATORES PREDISPONENTES (CONCLUSÃO)






         Do que foi considerado nos trabalhos anteriores sobre os fatores predisponentes da cárie dentária, isto é, os fatores que alteram a resistência do dente tornando-o mais susceptível ou mais resistente ao ataque esterno existente na cavidade bucal podemos apresentar um panorama mais amplo sobre a complexidade etiológica da cárie dentária. De modo geral, podemos considerar o aparecimento da cárie dentária como conseqüência de diversos fatores, internos e externos ao dente que interagindo em função do tempo podem desencadear o processo patológico da destruição do dente chamado de cárie dentária. Embora, ambos os fatores, externo e interno, sejam necessários ao aparecimento da cárie dentária, vamos nos circunscrever apenas aos fatores internos ao dente, isto é, às alterações químicas, metabólicas e estruturais  que antecedem ao aparecimento da dissolução da superfície do esmalte e conseqüente cavitação do dente. Um fator decisivo para as alterações iniciais do metabolismo dentinário e conseqüente modificação da permeabilidade do dente é sem dúvida a circulação pulpar. O fluxo sanguíneo pulpar controla a entrada de nutrientes e oxigênio para manter o metabolismo dos odontoblastos num ritmo normal de produção de energia através da respiração celular, isto é, pela fosforilação oxidativa e síntese de ATP nas mitocôndrias localizadas na parte basal do Odontoblasto. O ATP ( Adenosina Trifosfato) é a molécula energética da célula e é usada em todos os processos celulares que requerem energia química para sua execução. De forma que uma restrição da circulação sanguínea pulpar compromete todo o metabolismo celular e consequentemente a integridade funcional do dente. O Odontoblasto é uma célula especial no que diz respeito à sua estrutura e ao seu metabolismo, ou seja, na parte basal da célula em contato com os vasos sanguíneos em virtude da presença de oxigênio e de abundância de mitocôndrias o seu metabolismo é essencialmente aeróbico, isto é , as oxidações mitocondriais se fazem pelo oxigênio com produção de água, CO2 e energia na forma de calor e ATP. Ao passo que o prolongamento protoplasmático do Odontoblasto é carente de mitocôndrias e de baixa concentração de oxigênio molecular o que promove a predominância do metabolismo glicolítico anaeróbico com produção de ácido láctico. Outro fator importante é o liquido dentinário, isto é, o liquido extracelular secretado pelos Odontoblastos e que preenche totalmente os túbulos dentinários. A dentina é formada por uma matriz orgânica calcificada semelhante ao osso e integralmente preenchida por túbulos contendo os prolongamentos dos Odontoblastos e preenchidos por um liquido “sui generis” chamado de liquido ou fluido dentinário de composição própria do dente como o são o plasma sanguíneo, o liquido cefalorraquidiano, etc. Há de se considerar que este liquido dentinário não é estanque, isto é, estacionário, mas possui uma circulação por toda a massa dentinária através dos túbulos dentinários e de suas anastomoses. Desta forma, a dentina está constantemente sendo irrigada por este liquido rico em sais minerais, substâncias orgânicas como aminoácidos, ureia, vitaminas e produtos do metabolismo dentinário. Moléculas de peso molecular elevado como ácido láctico, polipeptídeos, corantes, etc. não atravessam as paredes dos túbulos dentinários, sendo carreados para excreção através da parte basal dos Odontoblastos. Todavia, existe uma exceção com relação à difusão do liquido dentinário que é justamente a região do limite amelo-dentinário. A junção amelo-dentinária não se constitui numa barreira compacta e impermeável à difusão do liquido dentinário uma vez que existem nesta região limítrofe entre dentina e esmalte determinadas formações anatômicas, como por exemplo, fusos, tufos, lamelas, fendas e malformações orgânicas que são permeáveis à água e pequenas moléculas do  liquido dentinário inclusive moléculas orgânicas como a do ácido láctico. Sendo assim, os prismas do esmalte estão sendo constantemente banhados pelo liquido dentinário, pois, se não fosse assim o esmalte seria seco e friável (quebradiço). Envolvendo os prismas do esmalte existe uma fina película de matéria orgânica que lhe confere certa maleabilidade e proteção e também uma camada de água chamada de camada de solvatação para manter os prismas hidratados. Por essas considerações podemos avaliar a grande importância para a manutenção da integridade da dentina e do esmalte do liquido dentinário, mesmo em casos de reparação da destruição parcial dessas estruturas. Podemos entender agora como funcionam esses fatores e como podem eles interferir na resistência ou na susceptibilidade do dente à carie dentária. Em condições em que a circulação pulpar está restringida seja por ordem mecânica ou química (agentes vasoconstrictores) desencadeia-se uma alteração metabólica dos Odontoblastos com diminuição da respiração celular e conseqüente deficiência na produção de ATP pela cadeia respiratória mitocondrial com sérias repercussões para todas as células como também para a dentina e esmalte. A deficiência de ATP pela parte basal do Odontoblasto dispara um sistema de alarme químico incentivando o metabolismo glicolítico do Odontoblasto, particularmente dos seus prolongamentos a acelerarem o fluxo metabólico anaeróbico, isto é, a glicólise, a fim de suprirem a deficiência de ATP para as necessidades energéticas do metabolismo celular. Como a glicólise é um processo metabólico de baixo rendimento energético ( reduzida síntese de ATP) há necessidade de um aumento exagerado da oxidação anaeróbica da glicose para compensar em parte a deficiência celular de ATP. O resultado desse aumento do fluxo glicolítico é a produção e acúmulo exagerado de ácido láctico intracelular o que seria fatal para a integridade funcional da célula. Para manter o equilíbrio da concentração intracelular de ácido láctico a célula dispõe de um sistema eficiente de transporte de ácido láctico para o exterior da célula conhecido como Transportadores Monocarboxilados ou família “MCT”. No caso particular dos Odontoblastos o mais importante é o MCT4. Agora perguntamos: qual a conseqüência do acúmulo de ácido láctico no liquido dentinário para a dentina e para o esmalte? No caso da dentina pouca influência teria, pois, o ácido láctico não atravessa as paredes dos túbulos dentinários, mas para o esmalte seria prejudicial, uma vez que o liquido dentinário atravessa a junção amelo-dentinária e consequentemente atingem os prismas do esmalte. Ora, a ação continuada da presença de ácido láctico no esmalte pode ocasionar com o tempo uma descalcificação interna abrindo assim espaço para a penetração dos ácidos de fermentação bacteriana produzidos na superfície do esmalte agravando sobremaneira o ataque ácido ao esmalte até a sua dissolução no processo carioso ( cárie incipiente e cavitação). Por essa razão, todo agente ou substâncias químicas que restringem o fluxo glicolítico dos prolongamentos dos Odontoblastos resulta numa diminuição da incidência da cárie como é o caso dos inibidores enzimáticos da glicólise como citratos, ATP, iodo acetato, molibdênio, Vanádio, bissulfito, etc. Baseado nestas considerações podemos concluir que todo agente ou substâncias químicas que diminuem a circulação pulpar aumentam a susceptibilidade do dente á cárie como é o caso da condição de estresse com aumento de substâncias adrenérgicas vasoconstritoras ou uma mastigação deficiente sem esforço mastigatório ( alimentos pastosos ou cremosos), medicamentos a base de fenilefrina ou drogas como a anfetamina. Por outro lado, para se ter um dente saudável resistente à cárie tem que se ter uma vida saudável, com exercícios, nutrição adequada (com restrição de carboidratos), higiene bucal e visita periódica ao dentista. 

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