Do
que foi considerado nos trabalhos anteriores sobre os fatores predisponentes da
cárie dentária, isto é, os fatores que alteram a resistência do dente
tornando-o mais susceptível ou mais resistente ao ataque esterno existente na
cavidade bucal podemos apresentar um panorama mais amplo sobre a complexidade
etiológica da cárie dentária. De modo geral, podemos considerar o aparecimento
da cárie dentária como conseqüência de diversos fatores, internos e externos ao
dente que interagindo em função do tempo podem desencadear o processo
patológico da destruição do dente chamado de cárie dentária. Embora, ambos os
fatores, externo e interno, sejam necessários ao aparecimento da cárie
dentária, vamos nos circunscrever apenas aos fatores internos ao dente, isto é,
às alterações químicas, metabólicas e estruturais que antecedem ao aparecimento da dissolução
da superfície do esmalte e conseqüente cavitação do dente. Um fator decisivo
para as alterações iniciais do metabolismo dentinário e conseqüente modificação
da permeabilidade do dente é sem dúvida a circulação pulpar. O fluxo sanguíneo
pulpar controla a entrada de nutrientes e oxigênio para manter o metabolismo
dos odontoblastos num ritmo normal de produção de energia através da respiração
celular, isto é, pela fosforilação oxidativa e síntese de ATP nas mitocôndrias
localizadas na parte basal do Odontoblasto. O ATP ( Adenosina Trifosfato) é a
molécula energética da célula e é usada em todos os processos celulares que
requerem energia química para sua execução. De forma que uma restrição da
circulação sanguínea pulpar compromete todo o metabolismo celular e
consequentemente a integridade funcional do dente. O Odontoblasto é uma célula
especial no que diz respeito à sua estrutura e ao seu metabolismo, ou seja, na
parte basal da célula em contato com os vasos sanguíneos em virtude da presença
de oxigênio e de abundância de mitocôndrias o seu metabolismo é essencialmente
aeróbico, isto é , as oxidações mitocondriais se fazem pelo oxigênio com
produção de água, CO2 e energia na forma de calor e ATP. Ao passo que o
prolongamento protoplasmático do Odontoblasto é carente de mitocôndrias e de
baixa concentração de oxigênio molecular o que promove a predominância do
metabolismo glicolítico anaeróbico com produção de ácido láctico. Outro fator
importante é o liquido dentinário, isto é, o liquido extracelular secretado
pelos Odontoblastos e que preenche totalmente os túbulos dentinários. A dentina
é formada por uma matriz orgânica calcificada semelhante ao osso e
integralmente preenchida por túbulos contendo os prolongamentos dos
Odontoblastos e preenchidos por um liquido “sui generis” chamado de liquido ou
fluido dentinário de composição própria do dente como o são o plasma sanguíneo,
o liquido cefalorraquidiano, etc. Há de se considerar que este liquido
dentinário não é estanque, isto é, estacionário, mas possui uma circulação por
toda a massa dentinária através dos túbulos dentinários e de suas anastomoses.
Desta forma, a dentina está constantemente sendo irrigada por este liquido rico
em sais minerais, substâncias orgânicas como aminoácidos, ureia, vitaminas e
produtos do metabolismo dentinário. Moléculas de peso molecular elevado como
ácido láctico, polipeptídeos, corantes, etc. não atravessam as paredes dos
túbulos dentinários, sendo carreados para excreção através da parte basal dos
Odontoblastos. Todavia, existe uma exceção com relação à difusão do liquido
dentinário que é justamente a região do limite amelo-dentinário. A junção
amelo-dentinária não se constitui numa barreira compacta e impermeável à
difusão do liquido dentinário uma vez que existem nesta região limítrofe entre
dentina e esmalte determinadas formações anatômicas, como por exemplo, fusos,
tufos, lamelas, fendas e malformações orgânicas que são permeáveis à água e
pequenas moléculas do liquido dentinário
inclusive moléculas orgânicas como a do ácido láctico. Sendo assim, os prismas
do esmalte estão sendo constantemente banhados pelo liquido dentinário, pois,
se não fosse assim o esmalte seria seco e friável (quebradiço). Envolvendo os
prismas do esmalte existe uma fina película de matéria orgânica que lhe confere
certa maleabilidade e proteção e também uma camada de água chamada de camada de
solvatação para manter os prismas hidratados. Por essas considerações podemos
avaliar a grande importância para a manutenção da integridade da dentina e do
esmalte do liquido dentinário, mesmo em casos de reparação da destruição
parcial dessas estruturas. Podemos entender agora como funcionam esses fatores
e como podem eles interferir na resistência ou na susceptibilidade do dente à
carie dentária. Em condições em que a circulação pulpar está restringida seja por
ordem mecânica ou química (agentes vasoconstrictores) desencadeia-se uma
alteração metabólica dos Odontoblastos com diminuição da respiração celular e conseqüente
deficiência na produção de ATP pela cadeia respiratória mitocondrial com sérias
repercussões para todas as células como também para a dentina e esmalte. A
deficiência de ATP pela parte basal do Odontoblasto dispara um sistema de
alarme químico incentivando o metabolismo glicolítico do Odontoblasto,
particularmente dos seus prolongamentos a acelerarem o fluxo metabólico
anaeróbico, isto é, a glicólise, a fim de suprirem a deficiência de ATP para as
necessidades energéticas do metabolismo celular. Como a glicólise é um processo
metabólico de baixo rendimento energético ( reduzida síntese de ATP) há
necessidade de um aumento exagerado da oxidação anaeróbica da glicose para
compensar em parte a deficiência celular de ATP. O resultado desse aumento do
fluxo glicolítico é a produção e acúmulo exagerado de ácido láctico
intracelular o que seria fatal para a integridade funcional da célula. Para
manter o equilíbrio da concentração intracelular de ácido láctico a célula
dispõe de um sistema eficiente de transporte de ácido láctico para o exterior
da célula conhecido como Transportadores Monocarboxilados ou família “MCT”. No
caso particular dos Odontoblastos o mais importante é o MCT4. Agora
perguntamos: qual a conseqüência do acúmulo de ácido láctico no liquido
dentinário para a dentina e para o esmalte? No caso da dentina pouca influência
teria, pois, o ácido láctico não atravessa as paredes dos túbulos dentinários,
mas para o esmalte seria prejudicial, uma vez que o liquido dentinário
atravessa a junção amelo-dentinária e consequentemente atingem os prismas do
esmalte. Ora, a ação continuada da presença de ácido láctico no esmalte pode
ocasionar com o tempo uma descalcificação interna abrindo assim espaço para a
penetração dos ácidos de fermentação bacteriana produzidos na superfície do
esmalte agravando sobremaneira o ataque ácido ao esmalte até a sua dissolução
no processo carioso ( cárie incipiente e cavitação). Por essa razão, todo
agente ou substâncias químicas que restringem o fluxo glicolítico dos prolongamentos
dos Odontoblastos resulta numa diminuição da incidência da cárie como é o caso
dos inibidores enzimáticos da glicólise como citratos, ATP, iodo acetato,
molibdênio, Vanádio, bissulfito, etc. Baseado nestas considerações podemos
concluir que todo agente ou substâncias químicas que diminuem a circulação
pulpar aumentam a susceptibilidade do dente á cárie como é o caso da condição
de estresse com aumento de substâncias adrenérgicas vasoconstritoras ou uma
mastigação deficiente sem esforço mastigatório ( alimentos pastosos ou
cremosos), medicamentos a base de fenilefrina ou drogas como a anfetamina. Por
outro lado, para se ter um dente saudável resistente à cárie tem que se ter uma
vida saudável, com exercícios, nutrição adequada (com restrição de
carboidratos), higiene bucal e visita periódica ao dentista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário